Jesus, este incômodo

por **Lourival soldado cristão** Qui 06 Mar 2014, 08:31

[size=10]Jesus, este incômodo

Nos últimos anos, percebi o quanto pastores das igrejas protestantes-evangélicas no Brasil optam por pregar sobre tudo o que está na Bíblia, menos sobre Jesus. Ouvimos o conhecido Malaquias 3:10, sobre a maldição que vem sobre os que não entregam o dízimo, passando por Davi, seus dramas pessoais e sua luta para defender Israel, pelas cartas de Paulo, normativas, chegando ao Apocalipse, do qual inúmeras interpretações são possíveis. O fato é que as palavras de Jesus são cada vez mais postas de lado quando se trata de pregar para a Igreja.
É claro que toda a Bíblia é importante. Devemos conhecer as leis, mas para sabermos que Jesus as cumpriu, todas elas, em si mesmo, em seu sacrifício. Não estamos mais sujeitos a elas, pois nos foi concedida nova Graça. Entretanto, tem sido dada mais ênfase às Leis que à Graça. Conheço cristãos que sabem de cor versículos do Velho Testamento, mas não conhecem bem o que Jesus falou nos quatro evangelhos. Sei que toda a Bíblia é a Palavra de Deus, e que ela deve nos inspirar. Entendo que o livro de Provérbios, por exemplo, é fonte de sabedoria sobre nosso proceder em sociedade. Os Salmos traduzem com força os sentimentos humanos em relação a Deus diante de questões como o medo, a alegria, a guerra, o luto etc. As cartas de Paulo foram necessárias para normatizar o comportamento de igrejas recém-fundadas, nos primeiros cem anos de cristianismo. Tudo isso nos é de grande valia, sobretudo porque vemos nas igrejas de hoje problemas semelhantes aos que ocorriam nas igrejas daquela época. Afinal, o ser humano continua o mesmo.
O que me deixa perplexa é perceber como os ensinamentos de Jesus são, paulatinamente, esquecidos. Vejo muitos crentes postando, em blogs e redes sociais, trechos da Lei sobre o castigo para um criminoso: afinal, está na Bíblia, é “olho por olho, dente por dente”. Mas não vejo ninguém postando o que Jesus disse sobre isso, em Mateus 5: “Tendes ouvido que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te dá na face direita, volta-lhe também a outra; ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e quem te obriga a andar mil passos, vai com ele dois mil. Dá a quem te pede, e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes. Tendes ouvido que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos de vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos. Pois se amardes aos que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? Se saudardes somente aos vossos irmãos, que fazeis de especial? Não fazem os gentios também o mesmo? Sede vós, pois, perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.”
As palavras de Jesus soam incômodas, pouco aplicáveis e retrógradas em um mundo cada vez mais violento. Afinal, a justiça deve ser feita. Por que alguém nos agride, se vivemos tranquilamente, pagamos (altos) impostos, procuramos fazer o bem? É claro que deve haver uma maneira de reparar esse erro. Então, lançamo-nos à justiça, mas não a das instituições. Afinal, não há nada que funcione menos, no Brasil, do que a Justiça. O negócio é fazer justiça com as próprias mãos. E assim vamos nos esquecendo do sopro de misericórdia e amor que Jesus nos enviou: perdoar, amar, oferecer a outra face. Imagino Jesus naquela cruz, sendo vítima de escárnio, piadas, cuspes, toda sorte de agressões. Por que não desceu de lá e acabou com todos eles? E que cruz é esta que ele diz que os cristãos devem tomar? “[...] e aquele que não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. O que acha a sua vida, perdê-la-á; mas o que perde a sua vida por minha causa, achá-la-á.” (Mateus 10:38-39)
Neste carnaval, Baby Consuelo, convertida há mais de dez anos, vai tocar em um trio elétrico, em Salvador, acompanhada do filho e do ex-marido, Pepeu Gomes. A notícia foi publicada aqui, no Gospel Prime, e gerou uma série de comentários que resumem bem o que tento explicar. Posto alguns, a título de ilustração: “Ela é carnal, nunca houve uma verdadeira conversão!” / “Se eu ver ela e estiver chapado juro que vou dar uma pedrada na testa dela, primeiro meu ouvido não é pinico, segundo lugar de pregação é na igreja e não no Carnaval, era só o que me faltava.” (sic) / “É só pra criar confusão nas mentes fracas. Não serão poucos os que ela tragará para o abismo.” (sic) / “COISA SATÂNICA!!!! ELA FALA O QUE QUISER, DÊ OUVIDOS QUEM TAMBÉM QUISER FUGIR DA VERDADE. ONDE QUE DEUS HABITA NO MEIO ZORRA, DEVASSIDÃO, PROMISCUIDADE???” (sic) / “Jesus… Agora eu entendo pq Isaías ficou depressivo… Pq ele pensou que todo o povo se curvou e adorou a baal. Mas graças a Deus ainda existem pessoas que te adoram e lêem a bíblia e fazer conforme a tua vontade. Quando essas pessoas vão entender que não é a minha vontade que rege a mão de Deus e sim a tua perfeita vontade!!! Nenhuma condenação há para aqueles que estao em Cristo Jesus que não andam segundo a ‘CARNE’ mas segundo o espírito.” (sic) / “Quero ver essa mulher fazer festa é no inferno!! Pastora de Araque…..!” (sic).
Quando li o que os leitores do blog diziam, eu me perguntei qual seria a reação de Jesus. Eu me lembrei do que ele disse em relação à mulher que deveria ter sido apedrejada: “Quem não tiver pecados, atire a primeira pedra.” Isso está cada vez mais longe dos evangélicos, não? Agora somos os primeiros a atirar pedras. Também me lembrei do que os religiosos de boa conduta diziam de Jesus, o que ele mesmo fez questão de denunciar, enquanto observava a dureza de coração dos próprios judeus, ou seja: não eram os ímpios e pecadores que recusavam a Graça e rejeitavam o Filho, eram os próprios judeus, para quem Jesus veio. “Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores.” (Mateus 11:19).
Nós nos voltamos cada vez mais para a Lei e damos as costas para Jesus, que se torna apenas um elemento da decoração na maioria das igrejas. Jesus, uma interjeição na hora do susto ou da indignação: “Jesus!” Seus ensinamentos, sua misericórdia, seu amor, seu sacrifício, tudo isso é pouco aplicável hoje em dia. Muitos pastores ainda dizem que “é preciso contextualizar” as palavras de Jesus, enquanto as normas de Paulo são aplicadas ao pé da letra e as leis, inclusive (ou sobretudo) a do dízimo, são tomadas como obrigação para o crente, o que está bem longe da verdade.
Em nossos dias Jesus se torna, a bem da verdade, incômodo. Ele saiu dos templos, foi para a rua e para o meio do povo. Não se preocupou em ser visto ao lado de pecadores. Jesus incomoda igrejas legalistas, cultos que existem como rituais vazios de significado, pastores que desejam prestígio e se colocam em posições superiores, buscando poder, dinheiro, admiração. As palavras de Jesus incomodam crentes ególatras, que acham que por seu comportamento “bom”, tendo sido escolhidos, ganham estofo moral para condenar os que não estão em seu patamar superior. Jesus vai de encontro aos que, na primeira ocasião, ao verem um irmão suspeito de pecar, acusam, em vez de tentarem compreendê-lo com o mínimo de misericórdia: “E os fariseus, vendo isto, disseram aos seus discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento. (Mateus 9:11-13).
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Jesus, este incômodo Maya-felix

Maya Felix

Maya Felix nasceu em São Luis, Maranhão. É Doutora em Letras-Linguística pela Universidade Federal Fluminense e pela Université de Nanterre Paris Ouest la Défense, França. Apesar de sua família ser de tradição evangélica Batista, converteu-se ao cristianismo em 1992, aos 21 anos. Atualmente é professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Maranhão em São Luis. Seus textos relacionam o cristianismo à política, à cultura e à vida em sociedade em geral.[/size]

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